domingo, 13 de maio de 2012

TPV (*)

Imagine-se qualquer coisa que, num dado momento, consideramos essencial para o nosso futuro, para num segundo momento continuarmos a achar que sim mas que pode ser perfeitamente adiado e num último momento entendermos que afinal não nos faz qualquer falta.

Agora imagine-se que durante este tempo todo se gastou largos milhões de euros e que mesmo a decisão de não levar por diante tal coisa custará ainda mais.

Certamente poucas pessoas compreenderão a razoabilidade de tal situação, mas é precisamente o resumo que é possível fazer do processo de construção da linha alta velocidade em Portugal, vulgo TGV.

O projecto inicial previa uma realidade, porventura absurda, de um modelo de transporte que percorreria Portugal de Norte a Sul e de Leste a Oeste.

Os estudos e os custos certamente associados a estes mesmos estudos foram realizados e, uma vez efectuadas as medidas de impacto ambiental, foi decidido avançar com o processo e lançados os respectivos concursos.

Pelo meio foram criadas limitações ao regime de aquisição de imóveis e terrenos, procurando estancar os ímpetos especulativos normalmente associados a grandes obras.

Obtido o financiamento europeu e adjudicadas parte das empreitadas iniciou-se a fase de pré-arranque de uma construção que se anunciava para muito próxima.

Pelo meio surge o primeiro revés às expectativas iniciais quando se anunciou a suspensão de todas as linhas inicialmente previstas à excepção daquela que deveria ligar Lisboa a Madrid, via Poceirão, pequena localidade do Concelho de Palmela que passou a andar nas bocas de toda a gente.

Esta primeira suspensão deveu-se ao “rebentar” da crise económica a que se seguiu a crise da divida soberana que, no essencial, levou os Estados (pelo menos alguns) a pensar se teriam dinheiro suficiente para pagar os encargos de tamanho investimento.

Refiro apenas alguns porque tanto quanto é sabido em Espanha não houve lugar a qualquer suspensão aos planos iniciais relativamente aos trajectos definidos inicialmente os quais terminam precisamente e como não podia deixar de ser na fronteira com Portugal.

Pelo meio de toda esta incerteza surgiu igualmente a menos nobre das discussões sobre a natureza de um projecto que é normalmente designado como “obra de regime”.

Essa discussão arrastou o debate para o campo da política e, uma vez aqui chegados, não há volta a dar na medida em que fundamentalmente a referida discussão “abandona” definitivamente o campo da racionalidade para submergir no oceano das vontades políticas.

Assim, enquanto uns defendiam o projecto face à necessidade de assegurar o investimento público que seria ele próprio o gerador de emprego (directo e indirecto) para além do retorno económico do projecto, outros defendiam precisamente o contrário baseado na convicção de que um Estado com dificuldades de tesouraria (para não lhe chamar insolvente) não pode embarcar em projectos desta dimensão.

Curioso como sou procurei uma definição simples de investimento e “encontrei” uma bem adequada a leigos que diz que o investimento é qualquer acção que visa a obtenção de uma determinada rentabilidade.

Ou seja, um investimento não dever ser avaliado em função daquilo que representa enquanto custo mas em função de uma expectativa de rentabilidade final, seja a curto, a médio ou a longo prazo.

É meu entendimento que esta “discussão” ficou claramente por fazer ao situar o debate sobre os méritos/deméritos da linha de alta velocidade unicamente sobre o respectivo custo, levando uma vez mais as pessoas a questionarem-se legitimamente sobre de que lado estaria a razão.

Lá diz o povo que “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” o que no caso vertente quer dizer mais exactamente que muda o Governo mudam as políticas.

Fazendo jus a esta convicção uma das primeiras medidas do novo Governo foi precisamente suspender – para desespero dos espanhóis - o projecto do TGV, que entretanto já estava “condenado” a terminar no Poceirão na medida em que a própria ligação a Lisboa já havia também sido suspensa (incluindo por arrastamento a nova ponte).

O carácter equivoco desta decisão foi também objecto de alguma controvérsia na medida em que suspender não é o mesmo que cancelar nem tão pouco permite perceber se e quando é que será retomado.

Considero, contudo, que a decisão de suspensão é certamente a mais adequada. E porquê?

Porque é aquela que mais se adequa à nossa mentalidade colectiva. É precisamente aquela que tem por base uma necessidade quase patológica de adiar uma decisão e de tomar uma posição firme e duradoura sobre as denominadas “grandes questões”.

Isto é tão verdade em relação ao projecto da alta velocidade, como foi em relação ao novo aeroporto (considerado imprescindível a determinado momento por esgotamento a médio prazo da Portela e sobre o qual se gastaram florestas de páginas relativamente à decisão inicial de construir o aeroporto na Ota) ou sobre a nova ponte sobre o Rio Tejo (elemento imprescindível de ligação entre as margens) ou mesmo sobre as auto-estradas que deveriam ligar o litoral ao interior.

O problema é que toda esta “discussão” arrasta-se durante décadas, período durante o qual continuamos a divergir dos nossos parceiros europeus que já “resolveram” estas questões há largo tempo.

No filme “A Vida de Brian” há uma cena em que um determinado partido politico se reúne e a única decisão que toma é de voltar a reunir. Não consigo imaginar melhor imagem para descrever este autêntico síndrome nacional de adiamento num país cada vez mais ele próprio adiado. Assim vão as cousas.

* Train à petite vitesse

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