Só poderei compreender esta proposta à luz do habitual populismo e demagogia deste partido. Não creio, pois, que a mesma possa ser levada a serio, admito mesmo, pelos seus próprios subscritores.
O preocupante não é que exista efectivamente o risco de chegar a haver tal referendo, o preocupante é que alguém tenha chegado a pensar nisso, nomeadamente pessoas com responsabilidade públicas e, admite-se, com expectativas de chegar ao poder.
Devolver a voz aos cidadãos em matéria de justiça "cheira" a promoção dessa figura medieval da justiça popular.
Num estado de direito, onde vigora o principio da separação de poderes, ao parlamento compete a elaboração das leis e aos tribunais a sua aplicação. Estes poderes não se confundem - e ainda bem - com nenhum outro. Ora, se assim é, como é possivel, ainda que teoricamente, admitir que seja o cidadão comum a definir os caminhos futuros da justiça?
Por estas e por outras confesso-me como um claro opositor ao instituto do referendo.
O referendo constitui, na maior parte das vezes, uma forma de desresponsabilização da classe politica pelo que, fundamentalmente, este instituto constitui uma falsa forma de legitimidade.O mandato dos politicos é conferido pelos cidadãos, em eleições livres, nas quais se escolhem para além dos seus representantes, os seus programas politicos, que são legitimados pelo voto.
Mas se analisarmos o que foram as experiências plebiscitárias de democracia directa em Portugal chegaremos igualmente a conclusões que nos permitem concluir pela inutilidade deste instrumento, a saber:
- Em primeiro lugar tem-se constatado que a participação dos cidadãos é extremamente reduzida. Casos houve em que nem metade da população com capacidade para tal participou no escrutinio, comprometendo a validade legal do acto;
- Em segundo lugar, há uma clara noção que a generalidade das pessoas não vota em função da sua própria convicção, mas de acordo com as directrizes dos partidos que elas normalmente apoiam;
- Em terceiro lugar, a análise aos resultados é feita ao sabor das conveniências politicas. A abstenção é normalmente "lida" como uma forma de rejeição, como se a ausência de voto pudesse, em abstrato, ser interpretada num sentido ou noutro;
- Em quarto lugar fica a determinação das pessoas que resolve participar nos referendos com o seu voto, cuja inutilidade prática pode, nessa mesma noite, constatar. A apetência destas pessoas para uma participação futura noutro acto semelhante será certamente menor.
Perguntamo-nos: fará então sentido manter a admissibilidade do referendo?
Porventura fará, mas as regras terão de ser outras. Entendo que o recurso à figura do referendo só fará sentido mediante a verificação de duas circunstâncias cumulativas:
- Que a validade do acto seja aferida em função dos votos efectivamente expressos e não em função da totalidade de eleitores;
- Que o objecto do referendo verse sobre matérias de natureza verdadeiramente excepcional, que não possam ser objecto de legislação própria emanada da Assembleia da República, nomeadamente se tais matérias não constarem do respectivo programa eleitoral do Governo em funções.
Já que se aprestam para rever a Constituição aproveitem e retirem dela esta figura ou mudem-lhe as regras. Ou será necessário um referendo para isso? Assim vão as cousas.
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