Ao longo dos quase 3 anos de crónicas semanais (ou dissertações consoante o entendimento de cada um) foram recorrentes as alusões à actual conjuntura económica e social de Portugal, fruto das consequências que, em ambos os níveis, daí têm decorrido para os portugueses e que - temo - não deixarão de se fazer sentir durante largos anos, independentemente de qualquer mudança que se possa verificar na direcção do Governo, por ocasião das próximas eleições legislativas.
Admitindo, porém, que tal como diz o ditado "não há mal que sempre dure" creio que é também possível e até mesmo de alguma justiça fazer por esta mesma via um registo de alguns dos principais elementos positivos de um tal período, mesmo que não pretendendo assumir que outros não haverão para além daqueles que se seguidamente se haverá de referir.
Em primeiro lugar e sem que daqui se possa inferir que se trata de uma qualquer espécie de competição, creio que uma das consequências positivas da crise foi o surgimento de uma convicção mais ou menos generalizada da necessidade de uma gestão mais eficaz dos rendimentos individuais ou, dito de outra forma, uma maior apetência para a poupança.
Em bom rigor não deveria ter sido necessário chegar a este ponto para que se chegasse a esta conclusão/necessidade mas - realidade incontornável - a menor propensão para a poupança é directamente proporcional à convicção por parte da "oferta" relativamente a uma maior disponibilidade das pessoas para o consumo, com especial relevo para os bancos que não deixaram de procurar cativar esse mesmo "apetite" a qualquer custo ou, no caso vertente, a qualquer preço.
Não é menos certo que a poupança excessiva tem - paradoxalmente - um efeito negativo na economia por ser propiciadora de uma retracção no consumo que tem como resultado uma redução do investimento que gera, por seu turno, mais desemprego, ou seja, menos dinheiro disponível e ainda menos consumo.
Se desta crise resultar uma percepção geral de que é essencial uma gestão equilibrada dos rendimentos entre aquilo que é necessário ao bem estar de cada um e aquilo que é puramente acessório, a Sociedade estará certamente mais bem preparada para o que ainda há-de vir e para uma eventual nova crise futura, fazendo jus à afirmação que não é possível viver eternamente "acima das possibilidades de cada um".
Numa segunda perspectiva de factores positivos, entendo que a interiorização da noção de empreendedorismo é igualmente merecedor de um destaque, porque dela resultam em si mesmo duas consequências também elas positivas.
Por um lado a crise e, sobretudo, as situações de desemprego, tendem a motivar as pessoas a encarar o seu próprio futuro como algo que poderá passar por cada um de nós, "abraçando" projectos empresariais próprios que permitirão - assim se espera - obter resultados positivos para o seu autor mas que não deixarão de ser igualmente relevantes para a Sociedade na medida em que o sucesso de um tal projecto acarreta necessariamente mais-valias ao nível da disponibilização de novos produtos ou serviços, mas igualmente na potencial criação de mais emprego, ainda que admita que nem sempre estas iniciativas individuais estarão adequadamente assentes em bases suficientemente fortes (estudos de mercado, etc) para uma subsistência duradoura.
Por outro lado e "olhando" para as empresas, esta noção de empreendedorismo tem levado muitas empresas a reconhecer as limitações do mercado português e, consequência de tal facto, a abrirem as suas "portas" a outros mercados - não necessariamente o Europeu - sendo o crescimento sustentado das exportações uma flagrante demonstração desta mudança de atitude por parte dos empresários, a qual só poderá ter alguma perspectiva de sucesso se fundada num conhecimento profundo desses "novos" mercados e sobretudo uma consciência de que tal não tem, quase nunca, como consequência o lucro imediato.
Fixando as perspectivas positivas dos "tempos de crise" e com a ressalva inicial de não pretender encerrar este elenco sem admitir que outras mais haverá, interessa-me relevar o renascer de uma atitude activa por parte das populações no sentido de reconquistar uma auto-consciência de que há ideais pelos quais merece sempre a pena lutar.
Seja pela forma das curiosas "Grandoladas" ou de uma maior intervenção cívica em debates públicos o que importa é cada um de nós "perceber" que o nosso próprio bem-estar futuro depende exclusivamente das nossas opções mas também de uma capacidade de interiorizar um maior sentido critico, de exigência mas igualmente de reforço da cidadania para que esse desiderato possa ser alcançado, desde logo numa maior e mais consciente participação nos actos eleitorais, independentemente da escolha que cada um.
É que o ditado a que me refiro inicialmente não termina por ali pois, por alguma razão, a sabedoria popular entendeu dar-lhe continuação ao dizer que também não há "bem que nunca acabe". É fundamental que tenhamos consciência plena disso mesmo. Assim vão as cousas.
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