A actual crise em que
“vivemos” trouxe à evidência de todos um conjunto de realidades para as quais a
nossa percepção – ou focalização – não se encontrava manifestamente desperta.
É como acordar
repentinamente de um estado de inconsciência dormente em que boa parte de nós
se encontrava e para a qual manifestamente não estávamos preparados e,
consequentemente, em condições de a ela responder.
Não me refiro, contudo,
à situação das contas públicas, o problema do financiamento do Estado, ou mesmo
da fragilidade do sector bancário perante a elevada exposição à divida pública
de alguns Estados em situação de iminente insolvência ou a ameaça, mais ou menos
real, de uma saída da zona Euro.
Tudo isso, sendo
igualmente parte da realidade que encima a presente dissertação, foi
anteriormente objecto de uma exteriorização da minha convicção pessoal sobre a
mesma, pelo que, desta feita, interessa-me em particular, abordar a vertente do
impacto que a crise tem tido nos nossos hábitos de consumo.
E, muito em concreto,
nos sectores da habitação, na restauração e na aquisição de determinados
produtos.
O chamado “boom” da
construção levou ao crescimento desenfreado de novas construções um pouco por
todo o lado, situação da qual não resultava sequer uma redução dos preços por
via de uma perspectiva de concorrência que, em termos práticos, não se
verificava.
E não se verificava
porque o suporte necessário para esse mesmo crescimento assentava na total disponibilidade por parte dos bancos para financiar a totalidade do
investimento, por prazos quase superiores à esperança média de vida, com um
custo de capital práticamente nulo, fruto de uma conjugação quase perfeita de
juros baixos com “spreads” igualmente baixos e, não menos importante, com uma reduzida
exigência relativamente às garantias (pessoais) da capacidade de cumprimento
das condições do empréstimo.
Com tal conjuntura,
fosse qual fosse o preço do imóvel, havia uma disponibilidade quase total das
partes interessadas no negócio em facilitar a sua conclusão.
Na restauração a
questão colocou-se num duplo plano, isto é, por um lado a constatação dos
hábitos de consumo dos portugueses que de certa forma “abandonaram” o conceito
de refeição nos respectivos lares (incluindo as refeições mais “ligeiras”)
passando a frequentar com uma preocupante assiduidade cafés, restaurantes e
similares, sem perspectivar o impacto daí resultante para a chamada economia
familiar.
Por outro lado,
verificou-se o crescimento exponencial dos denominados empresários da restauração
que, quais cogumelos, abriam novos estabelecimentos em cada rua e em cada esquina, grande parte deles sem a mínima noção do conceito inerente à gestão
deste tipo de locais.
Por último e sem querer
desta forma afirmar que a possível lista de “vítimas” da crise fica desta forma
concluída, verifico com particular atenção o que se passa com o sector
automóvel e de bens de consumo como as televisões, telefones ou outros de natureza conexa.
E Portugal, neste
capítulo específico, é um autêntico “case study”.
De facto, a transição
entre um país que dispunha de um dos mais velhos parques automóvel da Europa
para uma situação que se tornou de certa forma fácil encontrar em cada local o
último modelo de cada marca (e normalmente o mais potente) foi feita, para não fugir ao tema, a "grande velocidade".
Este mesmo “fenómeno”
verificou-se igualmente ao nível de outros bens em que qualquer
aparelho recentemente adquirido rapidamente soçobrava perante o seu mais
recente “upgrade” ou nova versão, sem que grande parte das pessoas –
conscientemente – chegasse a disfrutar do anterior ou sequer percebesse em que
é que o mais recente era efectivamente diferente (ou uma mais valia)
relativamente ao anterior.
O resumo de tudo isto é
que, fosse na construção, na restauração ou na compra de bens, a “fúria”
consumista dos portugueses parecia incontrolável e insaciável.
Veja-se, contudo, qual
o cenário com que nos confrontamos hoje.
Na habitação deixou
práticamente de se construir porque não há ninguém para comprar na medida em que os
bancos deixaram de emprestar dinheiro ou porque o mesmo é agora mais caro do
que nunca ou dependente de garantias reais e pessoais que as pessoas não estão
em condições de prestar.
O resultado? Falência
em massa de empresas de construção, desemprego crescente no sector e acentuada
incapacidade de cumprimento dos empréstimos por parte de quem os tinha
contraído sem condições para tal ou sem perspectivar uma possível mudança do
“clima” económico.
Na restauração verificou-se
uma progressiva desertificação dos espaços, fruto do “regresso” a casa por
parte das pessoas, que aí passaram a fazer as respectivas refeições (quase
todas elas) ou, quando tal não era possível, levando para os seus próprios
locais de trabalho as suas lancheiras, situação que, associada à subida da taxa
de IVA, apenas veio trazer à “luz do dia” uma oferta excessiva e quase sempre
indiferenciada.
O resultado? Encerramento
sistemático de restaurantes e cafés e aumento do nível de desemprego no sector,
sendo que parte significativa da respectiva mão-de-obra era assegurada por indivíduos
de nacionalidade estrangeira, com as possíveis consequências sociais daí
emergentes.
Por fim, constata-se a
redução drástica da aquisição de bens - agora considerados como não essenciais - os quais parecem voltar a ganhar uma “esperança de vida” muito próxima da que
tinham antigamente, o que de facto nunca deixou de suceder apenas as pessoas
tinham “deixado” de querer perceber isso mesmo.
O resultado? Forte retracção
no consumo das famílias, da qual resulta uma diminuição dos resultados das
empresas, cuja consequência principal é a deslocalização (ou encerramento) das
mesmas e consequente aumento do número de desempregados.
Seja por onde for, a
natureza e a consequência do problema são, como é fácil constatar, absolutamente
coincidentes, tendo como resultado prático a explicação de parte (nada despicienda)
do momento em que nos encontramos.
Nestas alturas é,
porém, costume dizer-se que com as crises surgem igualmente as oportunidades e,
neste capítulo, entendo que a oportunidade que se pode e deve extrair do ponto
de vista das empresas é aquela que decorre do próprio reajustamento da oferta
(e da própria qualidade dessa mesma oferta), que passará tendencialmente a
situar-se a um nível adequado ao da procura.
Na perspectiva das famílias
ou da economia familiar, conforme a nomenclatura preferida de cada um, a
oportunidade que poderá advir do panorama actual é o de potenciar em cada um de
nós a necessidade de uma gestão equilibrada das finanças pessoais, pensando cada
vez mais numa perspectiva de médio-longo prazo, assimilando dessa forma uma
palavra que se encontrava “arredada” do vocabulário geral, isto é, a
necessidade de poupar.
Para aqueles que ainda o
consigam fazer, claro. Assim vão as cousas.
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