domingo, 13 de janeiro de 2013

A "corrida insólita"


O Orçamento de Estado para 2013 corre o “risco” de se tornar um dos maiores casos de estudo da história das finanças públicas portuguesa, fazendo as “delícias” dos historiadores e dos estudiosos da nobre disciplina da Ciência Política.

No entanto, tal percepção não resulta da convicção de que esse mesmo “risco” tenha na sua génese uma qualquer causa e efeito de natureza positiva.

O “nascimento” deste Orçamento anunciou, desde logo, uma previsível reacção em cadeia por parte dos diversos agentes políticos, organizações sindicais, destacados elementos da sociedade civil e mesmo de altos responsáveis da Igreja.

Em causa estaria a natureza das medidas orçamentais que iam sendo progressivamente anunciadas, as quais promoviam uma vez mais um acentuado aumento dos impostos ou, nas palavras do próprio Ministro das Finanças, um “enorme aumento de impostos”.

Ora, a incidência específica do reforço da carga fiscal dos contribuintes era especialmente relevante em três matérias distintas, embora necessariamente interligadas relativamente ao fim que se pretenderia seguir com as mesmas.

Tais matérias remetiam para as alterações dos escalões do IRS, a suspensão dos subsídios de férias dos funcionários públicos e dos reformados e a contribuição extraordinária de solidariedade para os pensionistas.

A questão que sempre se colocou foi a da conformidade dessas matérias com a lei fundamental do Estado, isto é, a Constituição da República e, nessa ocasião, não faltou quem alertasse para o facto dessa mesma conformidade não existir, remetendo parte da Lei Orçamental para a inconstitucionalidade.

Indiferente a tais “avisos” a maioria parlamentar que apoia o Governo aprovou, por fim, o Orçamento de Estado no qual se encontram consagrados os articulados de natureza controversa atrás referidos, tendo o foco mediático sido direccionado para o “inquilino” do Palácio de Belém que, à luz dos seus legítimos poderes constitucionais, deveria decidir sobre o destino do documento agora nas suas mãos.

De uma forma mais ou menos consensual foi então referido que a promulgação do Orçamento deveria ser precedida de um pedido de fiscalização preventiva das eventuais inconstitucionalidades, de forma a impedir a entrada em vigor do documento “ferido” de ilegalidade em algumas das suas normas, caso tal viesse a ser julgado dessa forma.

Assim não o entendeu o Presidente da República que, não obstante ter apresentado um justificativo público “carregado” de dúvidas e de uma indisfarçável crítica à Lei Orçamental que havia acabado de aprovar, entendeu apenas submeter a avaliação das eventuais ilegalidades após a entrada em vigor do Diploma que, dessa forma, passaria a produzir efeitos na data prevista, isto é, no primeiro dia do ano.

Acontece que, em paralelo com a iniciativa de suscitar a fiscalização sucessiva da constitucionalidade de algumas das normas, outros “actores” da “animada” vida politica portuguesa entenderam também fazê lo, seja relativamente às mesmas normas objecto do pedido por parte da Presidência seja em relação às demais cuja controvérsia se anunciava desde que foram conhecidas.

Temos pois, num dado momento histórico, uma situação ímpar de uma confluência de pedidos de fiscalização da constitucionalidade do Orçamento de Estado, facto que levou o Dr. Pedro Santana Lopes a falar em “corrida insólita”, expressão que tomo a liberdade de utilizar como título para a presente dissertação.

Em simultâneo constata-se o avolumar de um conjunto de opiniões de parte a parte, facilmente confundíveis com um misto de pressão e chantagem sobre os juízes do Constitucional mas igualmente sobre a própria opinião pública, incapaz de discernir sobre as consequências práticas de um tema que as afecta directa e profundamente.

Desconhecendo à data desta dissertação qual será a decisão do Tribunal Constitucional e as consequências daí emergentes caso a mesma seja em sentido negativo às pretensões do Governo questiono-me, contudo, sobre um certo debate que vai tomando forma a partir do qual algumas pessoas defendem – nomeadamente o Governo – que a situação de “emergência” do país justifica uma espécie de estado de excepção que permitiria, no limite, que o Orçamento seja executado independentemente da existência de normas inconstitucionais no seu articulado.

Esta questão é, a meu ver, da maior relevância prática e não pode nem deve ser colocada neste plano.

Um tal posicionamento não pode ter outra interpretação que não seja de entender como aceitável que em tempos “extraordinários” o Estado poderá “viver” na ilegalidade.

O “problema” deste entendimento, se aceite, é que a existência de uma ilegalidade formal da Lei Orçamental cria, ela própria, uma situação de natureza “extraordinária” de valor necessariamente reforçado em relação àquela que a justificaria.

Admitindo este principio, quem passaria a definir em termos futuros o limite até ao qual seria admissível e aceitável a vigência de diplomas contrários à Constituição? Correr-se-ia, dessa forma, o risco de tornar um qualquer regime de excepção na própria regra, bastando para o efeito que fossem invocados sucessivamente os mesmos motivos que justificam essa excepção.

Importa recordar que as dúvidas agora levantadas por diversos quadrantes não são novas e sucedem-se ao que se verificou a propósito do Orçamento de Estado para 2012, momento em que este órgão de soberania decretou a inconstitucionalidade das normas para as quais havia sido chamado a pronunciar-se.

Por aqui se vê e conclui que a reconhecida situação de emergência do país não pode ser contornada com o recurso a legislação que não seja conforme à Constituição mas, bem pelo contrário, é essa mesma emergência que deverá – ou deveria – levar a um especial cuidado na elaboração de documentos como o Orçamento.

É que, se no passado a decisão do Tribunal Constitucional se baseou na violação do Principio da Igualdade, as duvidas que agora se colocam é se não estarão em causa normas que violam para além desse mesmo principio também o Principio da Proporcionalidade, ou seja princípios fundamentais de qualquer Estado de Direito que não estão - certamente - ao dispor de qualquer Governo nem podem ser arbitrariamente suspensos em função da convicção da existência de uma situação de emergência. Assim vão as cousas.

Sem comentários:

Enviar um comentário