O Orçamento de Estado
para 2013 corre o “risco” de se tornar um dos maiores casos de estudo da
história das finanças públicas portuguesa, fazendo as “delícias” dos
historiadores e dos estudiosos da nobre disciplina da Ciência Política.
No entanto, tal
percepção não resulta da convicção de que esse mesmo “risco” tenha na sua
génese uma qualquer causa e efeito de natureza positiva.
O “nascimento” deste
Orçamento anunciou, desde logo, uma previsível reacção em cadeia por parte dos
diversos agentes políticos, organizações sindicais, destacados elementos da
sociedade civil e mesmo de altos responsáveis da Igreja.
Em causa estaria a
natureza das medidas orçamentais que iam sendo progressivamente anunciadas, as
quais promoviam uma vez mais um acentuado aumento dos impostos ou, nas palavras
do próprio Ministro das Finanças, um “enorme aumento de impostos”.
Ora, a incidência
específica do reforço da carga fiscal dos contribuintes era especialmente
relevante em três matérias distintas, embora necessariamente interligadas
relativamente ao fim que se pretenderia seguir com as mesmas.
Tais matérias remetiam
para as alterações dos escalões do IRS, a suspensão dos subsídios de férias dos
funcionários públicos e dos reformados e a contribuição extraordinária de
solidariedade para os pensionistas.
A questão que sempre se
colocou foi a da conformidade dessas matérias com a lei fundamental do Estado,
isto é, a Constituição da República e, nessa ocasião, não faltou quem alertasse
para o facto dessa mesma conformidade não existir, remetendo parte da Lei
Orçamental para a inconstitucionalidade.
Indiferente a tais
“avisos” a maioria parlamentar que apoia o Governo aprovou, por fim, o
Orçamento de Estado no qual se encontram consagrados os articulados de natureza
controversa atrás referidos, tendo o foco mediático sido direccionado para
o “inquilino” do Palácio de Belém que, à luz dos seus legítimos poderes
constitucionais, deveria decidir sobre o destino do documento agora nas suas
mãos.
De uma forma mais ou
menos consensual foi então referido que a promulgação do Orçamento deveria ser
precedida de um pedido de fiscalização preventiva das eventuais
inconstitucionalidades, de forma a impedir a entrada em vigor do documento
“ferido” de ilegalidade em algumas das suas normas, caso tal viesse a ser
julgado dessa forma.
Assim não o entendeu o
Presidente da República que, não obstante ter apresentado um justificativo
público “carregado” de dúvidas e de uma indisfarçável crítica à Lei
Orçamental que havia acabado de aprovar, entendeu apenas submeter a avaliação
das eventuais ilegalidades após a entrada em vigor do Diploma que, dessa forma,
passaria a produzir efeitos na data prevista, isto é, no primeiro dia do ano.
Acontece que, em
paralelo com a iniciativa de suscitar a fiscalização sucessiva da
constitucionalidade de algumas das normas, outros “actores” da “animada” vida
politica portuguesa entenderam também fazê lo, seja relativamente às
mesmas normas objecto do pedido por parte da Presidência seja em relação às
demais cuja controvérsia se anunciava desde que foram conhecidas.
Temos pois, num dado
momento histórico, uma situação ímpar de uma confluência de pedidos
de fiscalização da constitucionalidade do Orçamento de Estado, facto que levou
o Dr. Pedro Santana Lopes a falar em “corrida insólita”, expressão que tomo a
liberdade de utilizar como título para a presente dissertação.
Em simultâneo
constata-se o avolumar de um conjunto de opiniões de parte a parte, facilmente
confundíveis com um misto de pressão e chantagem sobre os juízes do
Constitucional mas igualmente sobre a própria opinião pública, incapaz de
discernir sobre as consequências práticas de um tema que as afecta directa e
profundamente.
Desconhecendo à data
desta dissertação qual será a decisão do Tribunal Constitucional e as
consequências daí emergentes caso a mesma seja em sentido negativo às
pretensões do Governo questiono-me, contudo, sobre um certo debate que vai
tomando forma a partir do qual algumas pessoas defendem – nomeadamente o
Governo – que a situação de “emergência” do país justifica uma espécie de
estado de excepção que permitiria, no limite, que o Orçamento seja executado
independentemente da existência de normas inconstitucionais no seu articulado.
Esta questão é, a meu ver,
da maior relevância prática e não pode nem deve ser colocada neste plano.
Um tal posicionamento
não pode ter outra interpretação que não seja de entender como aceitável que em
tempos “extraordinários” o Estado poderá “viver” na ilegalidade.
O “problema” deste
entendimento, se aceite, é que a existência de uma ilegalidade formal da Lei
Orçamental cria, ela própria, uma situação de natureza “extraordinária” de
valor necessariamente reforçado em relação àquela que a justificaria.
Admitindo este
principio, quem passaria a definir em termos futuros o limite até ao qual seria
admissível e aceitável a vigência de diplomas contrários à Constituição?
Correr-se-ia, dessa forma, o risco de tornar um qualquer regime de excepção na
própria regra, bastando para o efeito que fossem invocados sucessivamente os
mesmos motivos que justificam essa excepção.
Importa recordar que as
dúvidas agora levantadas por diversos quadrantes não são novas e sucedem-se ao
que se verificou a propósito do Orçamento de Estado para 2012, momento em que
este órgão de soberania decretou a inconstitucionalidade das normas para as
quais havia sido chamado a pronunciar-se.
Por aqui se vê e conclui
que a reconhecida situação de emergência do país não pode ser contornada com o
recurso a legislação que não seja conforme à Constituição mas, bem pelo
contrário, é essa mesma emergência que deverá – ou deveria – levar a um
especial cuidado na elaboração de documentos como o Orçamento.
É que, se no passado a
decisão do Tribunal Constitucional se baseou na violação do Principio da Igualdade, as
duvidas que agora se colocam é se não estarão em causa normas que violam para
além desse mesmo principio também o Principio
da Proporcionalidade, ou seja princípios fundamentais de qualquer Estado de
Direito que não estão - certamente - ao dispor de qualquer Governo nem podem
ser arbitrariamente suspensos em função da convicção da existência de uma
situação de emergência. Assim vão as cousas.
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