Recordo-me como se hoje fosse do telefonema recebido em casa para me apresentar nesse mesmo dia nos escritórios numa corretora de seguros, especie de prenda de aniversário que se cumpriria dois dias depois.
Não era tanto o salário que interessava era a sensação de autonomia e independência que daí adviriam, apesar a total incerteza futura que um contrato a prazo de um ano, sucessivamente renovado por mais 2 de igual período, naturalmente implicavam.
A partir daquele momento seria muito mais de mim do que qualquer outro a responsabilidade do que daí adviesse em termos profissionais. Nesse momento os sonhos não cabem na dimensão racional do nosso pensamento. O céu é o limite costuma dizer-se, mas o chão é também o local onde assentam os pés, de preferência em equilibrio.
Somos inundados de novos desafios, seja a assimilação progressiva mas pouco dada a esperas das novas funções e a realidade de uma actividade da qual nada sabia préviamente,
- "É um intermediário entre o Segurado e a Seguradora" respondi eu na curta entrevista de emprego, resposta decorada de véspera, como se tudo tal bastasse para dominar o mundo.
Puro engano certamente mas pelo menos o suficiente naquele tempo para convencer o novo patrão.
Mas esta é também a chave de um percurso que se estende até hoje, baseado em alguns principios chave: humildade, procura e partilha do conhecimento e combate à complacência.
A verdade é que realmente não sabemos nem podemos tudo conhecer. Há que ser humilde para o reconhecer. Não uma humildade acabrunhada de quem vê em cada novo desafio uma barreira intransponivel ou em cada colega uma ameaça.
Trata-se de reconhecer as nossas permanentes limitações como ferramenta para as ultrapassar através do segundo principio, o da procura e partilha de conhecimento.
É fácil, demasiado fácil, guardar para nós próprios aquilo que aprendemos ou alguém nos ensinou e partir do pressuposto que o que por nós foi conquistado por mérito próprio e com a colaboração de outros não pode ser replicado numa espécie de encadeamento sem-fim de que todos beneficiam e por arrastamento a própria empresa.
- "Levanta a cabeça e olha à tua volta. Pergunta-te quem é melhor do que tu", disseram-me um dia.
O conhecimento não é exclusivo do contexto da actividade que se desenvolve. É também e porventura ainda mais complexo conhecer as personalidades de quem nos rodeia e, no fundo, com quem podemos contar.
Para isso o meu "truque" foi antes de mais o saber ouvir. Aprende-se muito a ouvir, a interpretar as palavras, numa espécie de avaliação psicológica permanente, mesmo não ignorando que este principio seria também válido dos outros em relação a mim próprio.
Por isso mesmo nada melhor do que não dar "ferramentas" (argumentos) aos outros para que a nossa posição seja questionada.
- "Que sejam os outros a sentir-se desconfortáveis", ouvido mais recentemente.
A competência nem sempre é fácil de distinguir mas a incompetência tem uma vida própria que a torna totalmente visivel ainda que pouco se movimente ou se faça passar despercebida.
O mundo do trabalho é deveras complexo. As relações que se estabelecem são quase sempre ténues, cultivando-se não raras vezes um ambiente de pretensa amizade que tendencialmente ha-de ruir qual castelo de cartas ao primeiro abanão, revelando todo o esplendor do cinismo e hipocrisia, que a competição normalmente gera.
Há que viver com tal realidade não nos deixando influenciar por ela (ou influenciando o menos possível). O tempo encarregar-se-á de separar "o trigo do joio".
Aqueles que verdadeiramente nos importam não são aqueles que reputamos por nossos amigos, são aqueles que sabem ser colegas, que nos ajudam no dia-a-dia, que nos fazem progredir, ser melhores profissionais. Não se misture o azeite com a água porque a quimica logo se impõe, determinando que o melhor mesmo é que podendo conviver no mesmo prato não se hão-de misturar nunca.
- E, no entanto, reconheço quem sempre é fácil....
Mas o tempo passa. Passa depressa a todos os níveis. Torna-nos diferentes, por vezes indiferentes. A ingenuidade inical é apenas o capítulo primeiro de um livro que talvez vá ainda a meio.
Pelo meio a marca do tempo parece funcionar como um despertador que deixou de tocar e por causa disso mesmo o sono tende a prolongar-se. Chama-se complacência, esse estado de alma que parece dizer-nos e mais ainda convencer-nos que o que existe nos basta e nada nos resta do que deixar o tempo passar de forma inexorável.
- O que se conquistou é suficiente para garantir o futuro!
Nada mais errado. O pecado original nas empresas estáveis. A árvore do conhecimento do Bem e do Mal do qual muitos se alimentam igorando que assim se condenam.
- Quem julga tudo ter conquistado e nada mais haver para lutar será o primeiro a perder.
Combater a complacência, a sensação de falsa estabilidade é o segredo mal guardado da continuidade do sucesso nas empresas. Lutei sempre contra ela. Uma luta por vezes desigual e com uma tentação permanente para nos conformarmos com uma espécie de inevitabilidade.
A forma correcta de lidar com esta ameaça permanente é pensar estratégicamente a empresa para o futuro. O passado não garante o futuro. O presente é o reflexo do momento. O futuro é a incerteza que devemos tornar realidade olhando-o com realismo e optimismo. Sobretudo planeando-o para que o efeito surpresa seja o menor.
- O futuro não se adivinha, mas pode preparar-se.
Contudo, o resumo da pessoa que sou e do profissional que me tornei é um imenso respeito pelo Cliente. Aquele que tenha ou não (sempre) razão nos move todos os dias. Pelo qual festejo sempre que um novo contrato é celebrado ou chorado quando perdido.
Não há Clientes grandes ou pequenos. Há Clientes! Pessoas que em nós confiam um expectativa de segurança que qualquer seguro deve transmitir será materializada se e quando for necessária. O Cliente foi a chave do passado, a razão do presente e a garantia do futuro.
- "Este é um negócio de Pessoas!" ouvi desde o primeiro momento.
O dia-a-dia tem de materializar e dar forma a esta maneira de estar numa empresa.
Estou muito grato a quem sempre me apoiou.
Estou em divida perante quem me ensinou.
Estou de consciência tranquila perante quem de mim se afastou ou chegou sequer a aproximar.
A maratona está a meio. Faltará outra metade para a meta. Diz-me a experiência das corridas que o mais difícil está para vir. Problemas? Não!
- Desafios!
Bem hajam.
Would you do the whole thing all over again,
Knowing what you know now, knowing what you knew then?
And he smiled like the old Pumpkin King that I knew,
Then turned and asked softly of me… “Wouldn’t you?”
(The Nightmare Before Christmas)
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