Por isso mesmo, em bom rigor, há que descrever a estadia nesta cidade em dois momentos, isto é, o dia da chegada e que corresponde ao final do dia na cidade e dia imediatamente seguinte.
Devo, em abono da verdade, revelar que o motivo principal da inclusão desta cidade no roteiro pela Escócia não estaria tanto relacionado com referências de destaque da cidade, ou seja, que só por si justificassem uma visita à mesma, mas fundamentalmente um desejo pessoal com vários anos de visitar o local onde se encontra uma das obras-primas de eleição da história da pintura, uma daquelas relações de fascínio incompreensivel que só algumas obras conseguem transmitir e que por isso mesmo, dificil mesmo será traduzir em palavras escritas aquilo que fundamentalmente essa obra nos transmite.
Antecipo-me à curiosidade e desde já anuncio tratar-se de uma pintura do mestre Salvador Dali, denominada de "Cristo de São João da Cruz" a qual, em jeito de antecipação, supunha poder ser visitada na St Mungo Museum of Religious Life and Art, local onde o nosso guia de viagem indicava poder ser visitada.
Mas voltemos à noite de Glasgow.
Desde logo que se nota uma estranha animação de rua, daquela em que a nossa percepção sobre os movimentos transita constantemente entre a sensação de insegurança ou de ter entrado num qualquer filme do cineasta Ken Loach quando este filme sobre a miséria, patologias sociais e familiares e de bem-estar social. Numa só frase: toda a gente na rua nos parece estranha, ou pegando na descrição anterior, miserável do ponto de vista social e familiar.
A sensação não é de facto simpática para o visitante, habituado até então a uma Escócia verdejante, habitada por uma classe média-superior, educada e civilizada. Preconceito? Talvez. Mas nada nos prepara para o que sentimos e quando isso acontece refugiamo-nos em raciocinios porventura pouco racionais, posto que não tivemos sequer tempo para conhecer verdadeiramente aquele local quanto mais poder tirar verdadeiras conclusões sobre o mesmo.
O objectivo da saída noturna era sobretudo de arranjar local para jantar, deixando de fora os muitos pubs de onde era possivel ouvir claramente o som desafinado de sessões de karaoke, regado pela cerveja local e algo mais.
Surge então um restaurante chinês como opção quando quase todas as outras já pareciam fechadas, apesar de apenas serem 9 horas da noite. Mas mesmo este local parece indiciar algum cuidado com o ambiente externo: podia jantar-se mas pagando préviamente. Assim fizemos, comemos e rapidamente regressámos ao hotel. Venha a Glasgow de dia.
E de facto existe outra cidade durante o dia. Uma cidade agradável, repleta de edificios do período Vitoriano, razoavelmente limpa, quase que tornando inimaginável ser esta a mesma cidade que também tem um lado sombrio.
O objectivo imediato da visita apontava para o local onde poderiamos visitar o ex-libris da cidade a Catedral de Glasgow em cujas traseiras se destaca a Necrópole, um curioso edificio histórico denominado Provand's Lordship e, finalmente, o tão ambicionado St Mungo Museum of Religious Life and Art onde, supostamente, haveriamos de nos encontrar com a fantástica pintura de Dali.
Mas esta coisa de viajar tem sempre surpresas e esta talvez nem fosse o caso de a ser mas quer a Provand's Lordship quer a St Mungo Museum of Religious Life and Art estavam encerrados, como tantas vezes acontece com edificios públicos às segundas-feiras.

A Catedral de Glasgow é, de facto, um edificio de monumental beleza, de caracteristicas totalmente distintas dos locais de culto visitados até então, com toda a iconografia católica bem presente num país quase todo ele protestante, cujas origens remontam ao século XII mas impecávelmente conservada.

Sobre esta Necrópole e os cemitérios em geral na Escócia importa ter presente que são entendidos antes de mais como verdadeiros jardins, locais onde é possivel passear descontraidamente, passear com as crianças, até mesmo namorar ou fazer um piquenique. Sim, presenciámos todos estes momentos. Nada ali é macabro ou pode ser entendido como desrespeitoso por ali andar. Faz parte da paisagem. A relva verde e cuidada é o tom dominante conjuntamente com milhares de pedras tumulares quase todas elas impecavelmente cuidadas.


Seguiu-se um longo trajecto a pé até uma das curiosidades da cidade de Glasgow, a Tenement House, um apartamento do século XIX, que conservou até aos dias hoje todas as condições em que foi habitado ao longo do século XX, um verdadeiro museu sobre o que era viver em Glasgow durante esse período.
O dia haveria de terminar junto ao rio, com uma visita à Clydside Distillery, uma das muitas distilerias da Escócia, uma espécie de romaria que não pode deixar de ser feita ao visitar este país, seja qual for a marca,

Do lado de fora encontramos um enorme navio ao qual não foi possivel aceder em virtude do adiantado da hora, no denominado Tall Ship at Riverside.
O dia terminava e a ideia de voltar à Glasgow "da noite" não era suficientemnete apelativa pelo que o jantar foi perto do hotel. O dia seguinte ficava reservado para o que faltava.